domingo, 29 de março de 2009

SABIÁ E O URUBU (MONTEIRO LOBATO)


Era à tardinha. Morria o sol no horizonte enquanto as sombras se alongavam na terra.Um sabiá cantava e tão lindo cantava que até as laranjeiras pareciam absortas a escutar. Estorce-se de inveja o urubu, e queixa-se:

- Mal abre o bico este passarinho e o mundo se enleva. Eu, entretanto, sou um espantalho de que todos fogem com repugnância... Se ele chega, tudo se alegra. Se me aproximo, recuam... Ele, dizem, traz felicidade; eu mau agouro... A natureza foi injusta e cruel para comigo. Mas está em mim corrigir a natureza; mato-o, e desse modo, me livro da raiva que seus gorjeios me provocam. Pensando assim, aproximou-se o urubu do cantor que, ao vê-lo, armou as asas para fuga.

- Não tenhas medo, amigo! Vim para mais perto, a fim de melhor gozar as delícias do teu canto. Julgas acaso que por ser urubu não dou valor à obras de arte? Vamos lá, canta! Canta ao pé de mim aquela formosa melodia com que há pouco extasiavas a natureza.O ingênuo sabiá deu crédito àqueles mentirosos grasnos e permitiu que lhe pousasse ao lado o traiçoeiro urubu. Mas este, logo que pilha a cantar ao alcance, ferra-lhe tamanha bicada que o derriba, moribundo. Arquejante, com os olhos já envidrados, geme o passarinho:

- Que mal te fiz para merecer tanta ferocidade?

- Que mal me fizeste? É boa! Cantaste! ... Cantaste divinamente bem, como nunca urubu nenhum há de cantar.

Ter talento: eis o teu crime. A inveja não admite o mérito.

Um comentário:

MoçaBunita disse...

Li esse conto quando eu tinha 07 anos,hoje com 59 anos me veio a lembrança dos bons e velhos tempos de escola,em que eu amava abrir um livro e ler maravilhas como essa.
Ao longo de minha caminhada tenho lido muito,estudado bastante,por que sei que conhecimento é um Bem que ninguem nunca vai tirar de mim.
Que bom seria se nossos jovens lessem mais,meditassem mais em maravilhas como essa desse escritor maravilhoso que é Monteiro Lobato.
Marina Ribeiro